Por Sérgio Oliveira
Ela tinha três anos e cabelos longos cacheados, o que demandava tempo para a mãe cuidar, tempo que era curto pelos extensos afazeres domésticos e pela lida da roça, até que seu cabelo foi cortado bem curtinho.
Bininha até os três anos tinha cabelos cacheados e longos. O pai a levou a cavalo até Apiacá (ES) para consultar e aproveitou para cortar bem curtinhos seus cachinhos. Na ocasião, usava a sandália do seu primo José Luis Péres.Crédito da Foto:Álbum de Família
Aqui começa a história da menina da Rua Nova, que brincava de esconde-esconde, amarelinha, queimada e de fazer comidinhas no quintal com latas velhas. O título da memória é americanizado, mas não era para ser. Tudo tem uma explicação e a teremos ao final. Aguarde!
Filha de José Péres (+10 de junho de 1989, sábado, infarto fulminante, São José do Calçado/ES) e Rita Coelho Péres, Bárbara Pérez, nasceu no domingo de 18 de dezembro (o ano, deixo a cargo de cada imaginação), na Fazenda Colônia, distrito de Mimoso do Sul, no Extremo Sul Capixaba. O nome Bárbara vem do grego, barbar, cujos significados incluem “língua incompreensível”, “estrangeira” e “forasteira”. Os gregos entendiam os estrangeiros dizerem “Bar-bar”, tipo o nosso “blá-blá”, em português, ou seja, não entendiam nada mesmo do que eles falavam.
De descendência italiana (Santolinis), seu bisavô, Vicente Santolini, aos seis anos, com seu pai Andrea Santolini, esposa e três irmãos, vieram de Toscana (Itália), alojando-se nas Terras frias de Mimoso do Sul (ES). Na mesma embarcação chegaram outros imigrantes, inclusive espanhóis, e entre eles o bisavô Luiz Péres, que também ficou no referido município com área produtiva para o plantio de café.
Saindo dos bisas, entra José Péres, que se mudou para São José do Calçado (ES) quando Bárbara tinha apenas cinco anos. Vieram ainda as irmãs Lenilce e Santina. Santina leva o nome da avó paterna Santinha Santolini. Olimpio Coelho, avô materno de Bárbara, foi quem sugeriu o nome da filha que brincava de pique-esconde. O motivo: Rita Coelho, filha do senhor Olímpio, sob os cuidados de dona Benedita, parteira de todas as mulheres da região, passava por uma gestação complicada (para não dizer quase passando dessa para outra). Dada a gravidade da situação, Olímpio olhou fixamente, com os olhos lacrimejados, para um quadro de Santa Bárbara, que ficava em uma parede de estuque. Pediu auxílio divino para que sua filha não perecesse e que nascesse bem. E se fosse uma menina, se chamaria Bárbara, que também era o nome de sua esposa, Bárbara Hilário Coelho, no caso, avó de Bárbara.
A menina que fazia comidinhas no quintal com latas velhas (lembranças da Rua Nova), ao completar seis anos foi matriculada no Grupo Escolar Manoel Franco (na época esta era a idade exigida). Ela teve que esperar a outra irmã (Lenilce) ter mais idade para irem juntas para escola, pois o pai era exigente. O uniforme: saia vermelha com pregas, blusa branca e gravata vermelha com listras vermelhas, conforme cada ano colegial. Vamos congelar essa parte da história, e após mais umas linhas, retornamos.
O casal José Péres e Rita Coelho ainda colocou no mundo Maria José Péres Gama e Eliana Péres Tatagiba, nascidas em São José do Calçado (ES). Tem também a filha de coração, Loyane da Silva, que Dona Rita adotou ainda recém-nascida. Todos os personagens centrais dessa memória fazem parte da Rua Francisco Nunes de Morares, a popular Rua Nova, onde vivia um grupo das crianças que brincava saudavelmente. Por outro lado, nesse grupo havia uma criança de olhar distante e cabelos encaracolados, de família humilde, que visava estudar e escrever livros.As irmãs Bárbara (15 anos, na época), Lenilce, Santina e Maria.Crédito da Foto: Álbum de Família
O tempo de estudar chegou e a outra irmã cresceu, então vamos dar prosseguimento. Bárbara e Lenilce foram estudar no Grupo Escolar Manoel Franco. Devido à dificuldade financeira (a família não nasceu com uma colher de prata na boca), estudaram em horários alternados, uma de manhã, a outra à tarde. Assim, por volta do meio-dia, encontravam-se no meio do “Morro da Dona Candinha”. A que estudava à tarde, subia descalça até a metade do morro para poder calçar os sapatos pretos de plástico da irmã que estudava no turno matutino. Lenilce após estudar por quatro anos deixou os estudos: acreditava que tinha dificuldade de aprendizagem.
O antigo morro da “Dona Candinha” era de terra batida, sem calçamento, e em época chuvosa até tatu de tração 4×4 desanimava de subir (rs).
Dona Rita encomendava retalhos vindos do Rio de Janeiro, através de sua vizinha, Dona Candinha. Com eles, costurava os vestidos emendados, que eram motivos de zombaria de algumas meninas com melhores condições financeiras. A menina dos sapatos de plástico apreciava um pé de araçá, que ficava no alto do morro, hoje Bairro Astholpo Virgílio Lobo (Serra Pelada). Também gostava das mangas do quintal do senhor Zé do Castão, que eram catadas e comidas com sal. Aqui para nós, ainda tinha as jabuticabas do quintal do saudoso senhor Eliezer, que eram uma delícia. Melhor deixar isso baixo, para outra memória.
A menina que aos três anos teve os cabelos cortados bem curtinhos lia e escrevia às escondidas da família, que não aceitava ou entendia sua paixão pelas letras. Quando se vestia a moda Hippie era duramente castigada pelo pai. Tudo que escrevia guardava em caixas debaixo da cama. José Péres possuía um botequim na Rua Nova, e como ninguém é de ferro, tirava um soninho da beleza à tarde. E ela não perdia tempo. Dizia: – Lenilce e Santina, minhas irmãs queridas, por favor, vão até a casa do senhor Bianor Diniz (morava atrás do Grupo Escolar Manoel Franco) e peça emprestado para a Dorcas (uma das filhas do senhor Bianor), os livros de romances da coleção Sabrina. Após a missão cumprida, as leituras eram feitas no banheiro. Bininha, como era chamada carinhosamente Bárbara pelos seus pais e irmãs, algumas vezes foi censurada pelos mesmos de louca. Como já dito, eles não entendiam a paixão da jovem pela literatura.
Um contratempo fez que as duas irmãs não pudessem dar seguimento nos estudos. Como foi dito lá no início do texto, o pai era extremamente rígido. Tal transtorno gerou clima ruim na sociedade calçadense. A professora de piano e membro da Igreja Presbiteriana local, Lydia Lobo (nascida em uma quinta-feira de 15 de dezembro de 1932, em São José do Calçado/ES, e falecida em uma terça-feira de 13 de junho de 2007, em São José do Calçado/ES), casada com Alonso (falecido), abordava as irmãs Péres no meio da rua, e perguntava se queriam estudar. Caso o pai estivesse coibindo o desejo delas, faria uma denúncia no Ministério Público. Por medo da reação do pai, respondiam que a decisão de não estudarem mais partiu delas. Bárbara e Santina estudaram após o casamento. As outras duas irmãs mais novas também estudaram. Maria concluiu o ensino médio e graduou-se depois de casada. Eliana, já casada, graduou-se em Ciências Sociais.
Um dia Bininha se apaixonou por Sebastião José de Almeida vindo a se casar em um sábado, 16 de dezembro de 1978, na igreja Matriz, cerimônia realizada pelo padre holandês Amando Geerts (claro que seria ele). Como nem tudo é ouro e mel, divorciou-se doze anos depois quando os filhos estavam pequenos: Cosme Péres de Almeida, com doze anos, Kamille Péres de Almeida Silva, com oito, e Karolline Péres de Almeida com seis. Depois do divórcio foi morar com a mãe, já viúva, e a irmã Eliana. Para pagar os honorários advocatícios, e contribuir com as despesas da casa, trabalhou na residência do ginecologista Marino Guedes Pani, em Bom Jesus do Itabapoana, no Noroeste Fluminense.
Até hoje Dona Rita mora na mesma casa, próximo à ponte, que na época era de madeira. E ainda tem a outra casa ao lado, construída pelo senhor José Péres. Ele abriu um pequeno boteco de cachaça e banana, que depois virou um comércio de secos e molhados. Vendia de tudo, já que naquele tempo não existia mercados, apenas lojas de tecidos e sapatos, entre elas a Casa Santa Luzia, Loja Daúde e Loja do Cristóvão. Até então, as vendas de secos e molhados eram apenas duas: a Casa do Arroz e do Fubá (João Pimentel Neto) e o comércio do senhor Geraldo Ribeiro. Além de comerciante, José Péres participava das reuniões políticas e futebolísticas. Criou o Recreio Futebol Clube, time que fez muito sucesso, vencendo vários torneiros sob a sua técnica, afinal, era um exímio treinador. Foi apoiador do candidato a prefeito José Borges de Almeida (nascido em uma segunda-feira de 14 de novembro de 1927, em Barra de Pirapitinga, Distrito de Bom Jesus do Itabapoana/RJ, e falecido em uma quarta-feira de 14 de julho de 1982, em São José do Calçado/ES), que após vencer as eleições, o ajudou na construção do campo do Recreio, abrindo as pastagens no espaço plano do Sítio de mesmo nome com a patrol da prefeitura.
Dona Rita sempre ajudou José Péres com as economias domésticas, e apesar de não trabalhar fora, atribuía várias funções em casa, além de zelar pelo cuidado da família. Ela fazia crochê, e costurava principalmente para os ciganos (meninos levados), que armavam acampamento na pracinha da Rua Nova, ou depois da ponte, onde o espaço com capim era utilizado pelos meninos como campo de futebol. Os filhos de Bininha souberam agradecer o esforço que ela fez para que crescessem na vida: Cosme, formado em Gestão de Recursos Humanos, atua na área há mais de 10 anos, e é Psicólogo e Coordenador do Curso de Gestão de Pessoas na Faesa; Kamille é Professora de Educação Especial e Libras na Escola Estadual Mercês Garcia Vieira; Karolline atuou por mais de 20 anos como secretária escolar na Escola Estadual Mercês Garcia Vieira, vínculo que sempre se renovava por meio de processos seletivos. Atualmente, formada em técnica de enfermagem, atua nesta função em Bom Jesus do Itabapoana (RJ).
E ELA VENCEU!
Além de ser fundadora da Academia Marataizense de Letras e atuar como conselheira da mesma, fundou o Grupo de Jongo Maria Preta & Zé Porto de Marataízes/ES, onde é diretora. Fundou também a Associação Folclórica e Histórica de Marataízes, e a Associação “Mulheres em Ação de Marataízes”. Sua vasta formação abrange principalmente educação, cultura e saúde: Graduada em pedagogia, é também Técnica em Biblioteca, Administração e Cultura (IFES), além de formada como Técnica de Enfermagem (PROFAE), uma de suas muitas áreas de atuação atualmente.
Servidora efetiva na Prefeitura de Marataízes/ES desde 2004, com quase vinte anos na função, além de excelente servidora no UPA.Crédito da Foto: Àlbum de Família
Avó de cinco netos: Eduardo, Giovanna, Lucas, Laura e Victor, e bisavó da Hellena e do Leonardo, há mais de vinte anos adotou o município de Marataízes (ES) como “cidade de coração”, onde reside e atua na área de enfermagem. Além de idealizadora, fundadora e conselheira da Academia das Artes, Cultura e Letras de Marataízes, atua produzindo todos os tipos de eventos culturais, como os da associação “Mulheres em Ação”, promovendo ações sociais, culturais e políticas. Exerceu a coordenação administrativa e cultural no Palácio das Águias (Marataízes/ES), monumento histórico tombado como Patrimônio Histórico em 1998 e restaurado em 2011.
FILIAÇÕES ACADÊMICAS
Academia Cachoeirense de Letras, Academia de Ciências, Letras e Artes de Manhuaçu; Academia de Letras e Artes de y Valparaíso (Chile); Ateneu Angrense de Letras e Artes de Angra dos Reis; Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo (RJ); Real Academia de Letras do Rio Grande do Sul; Delegada Regional pela Academia de Ciências, Letras e Artes de Manhuaçú (ACLA/MG) e Academia Calçadense de Letras.
No ano de 2009, recebeu placa Menção Honrosa como poetisa defensora das Letras e Cultura no lançamento do seu livro “Loba”, do Poder Executivo de São José do Calçado-ES. Três anos depois, em 2012, recebeu as Comendas “Tiradentes” e “Dom Pedro II”, outorgadas pela FEBLACA, em sessão solene na OAB de Niterói-RJ. Ainda em 2012, recebeu o Título de Cidadã Benemérita – Poder Legislativo, em São José do Calçado-ES, e o Título de Cidadã Marataizense, do Poder Legislativo Municipal de Marataízes.
Em 2013 recebeu o título “Valorosa Mulher”, outorgado pela Academia de Artes, Letras e Ciências de Iguaba Grande, em sessão solene na Câmara Municipal de Iguaba Grande-RJ, e o Título de Mulher Marataizense – Poder Legislativo de Marataízes – outorgado às valorosas mulheres que contribuem para o desenvolvimento cultural do Município (2013).Bárbara escreveu contos e crônicas para o tradicional Jornal A Ordem, de São José do Calçado/ES e o Jornal “A Palavra”, de Alegre/ES Crédito da Foto:Sérgio Oliveira
Em 2015, recebeu a comenda Rubem Braga – Poder Legislativo Estadual. Em 2018, a Placa “Amiga Especial da APAE de Marataízes”. Em 2019, foi digna da medalha “Amiga da Marinha do Brasil”. Articulista sociocultural com matérias publicadas em vários sites de Marataízes e litoral sul capixaba, colunista em algumas revistas como Vip Sul Capixaba e outras, escreveu contos e crônicas para o tradicional Jornal A Ordem, de São José do Calçado/ES e o Jornal “A Palavra”, de Alegre/ES. Também participou das antologias “Poeta Mostra a Tua Cara”, “Poemas à Flor da Pele” (poemas); “Poemas à flor da Pele” (contos e crônicas); “Bailando por Pensamentos e Emoções”; “Poemas da Pérola Capixaba”; Antologia da Academia Marataizense de Letras e Revista do Centenário de Rubem Braga pela Academia Cachoeirense de Letras com o conto: “O Guerreiro”, dedicado ao Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil.
Já publicou Mulher (2003), Loba (2009), com 2ª edição em 2019, Fuzileiros Navais, suas missões e amores em Marataízes (2011), e 2ª edição em 2019, Nua & Crua – A poesia de Bárbara Pérez (2015); Contos, causos, & encantos de Marataízes & Itapemirim (2015) e Contos, lendas e causos de Itapemirim e Marataízes (2019).
Obras em Andamento: “A Carne” (romance autobiográfico que será publicado com pseudônimo); “Os Santolinis da Itália ao Espírito Santo” (História dos seus Ascendentes italianos); O Colecionador de Mulheres (serial killer) e Poesias Caladas.
CURIOSIDADES
Servidora efetiva na Prefeitura de Marataízes/ES desde 2004, com quase vinte anos na função, além de excelente servidora no UPA, em 2003, quando lançou seu primeiro livro de poemas intitulado “Mulher”, a obra foi custeada pelo então Prefeito de São José do Calçado Jefferson Spadarott Bullus (2001 a 2004). A autora, após o lançamento, vendeu cada exemplar de porta em porta na linda São José do Calçado (ES). Outra obra lançada na Academia Calçadense de Letras foi “Loba”, com o trabalho artístico da capa do bailarino e artista plástico Felipe Almeida.
Aqui se encerra uma memória com começo triste, bem triste mesmo, de uma garotinha que até os três anos tinha cabelos cacheados e longos. O pai a levou a cavalo até Apiacá (ES) para consultar e aproveitou para cortar bem curtinhos seus cachinhos. Na ocasião, usava a sandália do seu primo José Luis Péres, e já sonhava ser escritora. Mais tarde lia livros da série Sabrina, no alto do Morro da “Dona Candinha”, e calçava o sapato de plástico da irmã Lenilce (calma Eliana, você é a caçula, nem era nascida, rs). O pai, rigoroso, não entendia o sonho da filha de ser escritora.Crédito da Foto:Álbum de Família
Resumindo até na data da criação do texto (09/12/2023), o título seria “MEMÓRIAS DA MENININHA DE SAIA VERMELHA COM PREGAS E BLUSA BRANCA, QUE SUBIA O MORRO DA DONA CANDINHA PARA PODER ESTUDAR NO GRUPO ESCOLAR MANOEL FRANCO”, foi refeito e mudado para “MEMORIES OF A LITTLE GIRL IN RED SKIRT”, traduzido por Memórias de uma menininha de saia vermelha. A razão: boa parte das memórias tem seu lado triste. Sensibilizado com a trajetória de Bininha, que até alcançar seus objetivos, passou por tempestades e trovões, para não dizer uma vida sofrida, tipo a personagem do livro Açúcar Amargo, aqui o autor tenta amenizar o texto com um título suave, um modo de fugir da realidade, e de transparecer que tal memória foi algo imaginário do autor, um tipo de conto de cachinhos dourados com saia vermelha, uma viagem ilusória para tentar amenizar as agruras da época. Assim, após consultada a guaçuiense de nascimento e calçadense de coração – Maria de Lourdes Rezende Ferreira Stevens, que deixou São José do Calçado, em uma segunda-feira, 03 de fevereiro de 1975, na ocasião com 22 anos, e foi morar nos Estados Unidos -, julgou-se válida a troca do título devido aos pontos tristes descritos na memória.
E assim vai… tipo o cantor Caetano Veloso, que em 1971, estando exilado desde 1969 em Londres, pelo motivo que todos sabem, escreveu seu grande sucesso “London, London” (Londres, Londres), e para embalar sua tristeza, distante de sua pátria, escreveu a música em inglês.